Adolfo Fetter Júnior

Uma avaliação preliminar da Reforma Tributária votada na Câmara Federal

A votação ocorrida na Câmara dos Deputados, deixou algumas impressões:
1) O que foi aprovado foi melhor do que o projeto original do governo, mas contém questões polêmicas, inclusive de natureza constitucional;
2) Foram tantas as alterações de “última hora”, que muitos parlamentares não sabiam exatamente o que estava sendo votado. Prova disto é que, uma semana depois, o texto ainda não foi encaminhado ao Senado;
3) Mesmo que este texto final fosse mantido – o que não ocorrerá – sua implementação dependerá de leis complementares e só ocorrerá lenta e gradualmente a partir de 2026 (último ano do atual governo).

Por estes e outros motivos, a pressa e o açodamento verificados foram uma resposta da Câmara e o desejo de “mostrar serviço” e de provocar a priorização de tema tão importante para a sociedade brasileira.

Tenho acompanhado as manifestações de especialistas, bem como de agentes políticos para entender as consequências do que foi votado e do que ainda precisa ser modificado. Dentre os especialistas, destaco as do tributarista Ives Gandra; dos ex-secretários da Receita Federal Everardo Maciel (1995-2002), Jorge Rachid (2003-2008 e 2015-2018) e Marcos Cintra (2019); do analista econômico Ricardo Amorim, para citar alguns.

Dentre os agentes políticos, a Frente Nacional de Prefeitos (que congrega 60% da população e mais de 70% do PIB nacional), em material na TV, ou no posicionamento do prefeito de Porto Alegre Sebastião Melo; dos governadores de Goiás e do Mato Grosso, além de diversos parlamentares; assim como da Confederação Nacional do Comércio.

Neste debate, não encontrei nenhuma estimativa do governo sobre os impactos desta reforma, seja em valores ou em setores. Ricardo Amorim estimou que será de R$ 500 bilhões, dos quais R$ 20 bilhões na agropecuária e R$ 480 bilhões para o comércio e os serviços, com aumento da carga tributária. Os beneficiados: a indústria e os bancos, além da União, que precisa aumentar em R$ 150 bilhões por ano, em função do arcabouço fiscal.

Outra questão essencial reside na centralização dos tributos e de decisões em nível federal, em detrimento da autonomia dos estados e municípios, “cláusula pétrea” na Constituição Federal. Retirar o poder de tributar sobre ICMS e ISS é inconstitucional, além de ferir o Pacto Federativo e fortalecer ainda mais a União. Tem ainda alguns jabutis incluídos no texto, como a possibilidade de estados criarem novos tributos e dos municípios alterarem o IPTU por decreto! Ué, não era para reduzir os tributos?

Para não entrar em maiores detalhes, que não caberiam aqui, destaca-se que perduram muitas incertezas e inseguranças, além do que a pretendida simplificação só será alcançada após longo período de transição, pois o sistema vigente e o proposto irão conviver por anos e até por décadas (como os vários fundos criados), o que tornará ainda mais complexa a contabilização para empresas e pessoas, bem como os sistemas de fiscalização.

Como quase tudo vai depender de leis complementares, desde alíquotas até a distribuição das arrecadações e as compensações, como o inovador “cashback”, tudo o que se pode escrever se baseia ainda em análises e especulações. A esperança é que o Senado esclareça pelo menos parte destas pendências e corrija estas distorções.

Em síntese: o texto atual da Reforma Tributária é mais uma peça de marketing, de efeitos incertos e resultados em longuíssimo prazo de implantação, restando mais dúvidas e inseguranças do que certezas. Na verdade, foi mais um “passo simbólico” de enfrentamento do nosso “manicômio tributário” e isto pode até ter sido um início, mas seguramente não é o fim.

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